
Idade incerta – e quem ousaria arriscar a dúvida diante daquela senhora, monumento de beleza e vitalidade? - Graziela Fernandes alimentou o imaginário de uma geração de aficionados que via no automobilismo nacional dos anos 60 um espelho perfeito de valentia e criatividade. Sorriso sempre afiado e disposição para uma boa conversa, a MOTORSPORT BRASIL desfrutou de um ótimo papo com esta grande musa, justamente em um churrasco tradicionalmente organizado por Yutaka Fukuda, com dezenas de contemporâneos de Graziela, cabelos grisalhos e memórias sempre afiadas colorindo a festa.
Antes é bom saber que, naquela época, ainda não tínhamos uma mulher pilotando competitivamente um carro de corridas no Brasil. Havia medo, certo preconceito porque, provavelmente, teria restado na memória coletiva o acidente histórico em um evento nos Jardins, em 1936, que envolveu a francesa Helenice. A piloto enfrentou lenta recuperação, algumas pessoas perderam a vida e, neste processo, nasceu também a semente de construir o que um dia se chamaria Interlagos, nosso templo sagrado e primeiro autódromo brasileiro. Graziela se diz brasileira de coração. “Meu país é este, o Brasil, e sou filha de italiano”, mas os registros garantem que nasceu no Paraguai.
MOTORSPORT BRASIL – Você sentiu alguma discriminação na época?
Graziela Fernandes - Muito pelo contrário. Quando você mostra resultados é tratada como profissional, de igual para igual. Comigo sempre foi assim. Fiz muitos amigos e tenho contato com eles até hoje. Foi uma época muito boa e especial em minha vida.
MB – Se hoje ainda não é algo tão comum, imagine na década de 60! Como foi começar a correr?
GF – Foi em 1964 que estreei nas pistas. Corri pela primeira vez movida por intensa paixão. Meus pais já haviam morrido e eu ainda era solteira. Foi uma decisão minha e resultado de um esforço meu. Minha primeira prova foi no Rio de Janeiro em uma corrida só para mulheres.
MB – E não parou mais, né?
GF – Rapidamente fui convidada a integrar a invejável equipe Jolly, que possuía cinco Alfa Romeo e uma Ferrari. Corri muitas provas pela Jolly até 1974, quando parei por dez anos e fui cuidar da vida. (NR: O apelo para a volta em 1983 foi do marido Carlos Alberto dos Santos, o “Carlão”, que foi seu parceiro em uma Mil Milhas. Foram duas edições seguidas e mais tarde o Brasileiro de Marcas, pela Fiat. Em 1990 Graziela trocou o asfalto pelo mar. Disputou o brasileiro de motonáutica, categoria Off-Shore, em oceano. Antes, andou correndo em outras categorias, provas normalmente disputadas em represas ou lagoas. Ela tem um currículo bem grande mas, embora eloqüente, não lhe pergunte sobre resultados esparsos). Está tudo espalhado em vários lugares, só uso a memória.
MB – Era a famosa fase romântica. Fale mais sobre isso, por favor.
GF - Foi maravilhoso. Além da adrenalina, a sensação era de que éramos, todos nós, reis e rainhas. Éramos valorizados e havia muita festa onde chegávamos. Jantares, entrevistas na tevê, fotos em jornais e revistas. Era muito bom mesmo. Hoje, profissionalizou-se tanto que já não existe mais romantismo, nem para os pilotos e nem para o público. Já enchemos muito mais os autódromos. Mas, na essência, o automobilismo não mudou muito, só a Fórmula 1, em segurança, principalmente. Naquela época, perdemos muita gente boa nas pistas e hoje é muito difícil uma morte em competições importantes. A do rapaz da Stock Car (NR: Rafael Sperafico) foi um acontecimento trágico, coisa do destino, naquelas condições...
MB - Principalmente na Jolly, você disputou dezenas de provas, né?
GF - Corri vários eventos 500 km, 12 Horas, 6 Horas, Copa Brasil, foram muitas mesmo. Na Mil Milhas de 1970, cheguei em 7º na geral e 64 carros largaram. Eu amava a Jolly e em 1973 os carros importados foram proibidos de participar. A equipe acabou desmanchada e para mim havia acabado ali. Depois, eu e meu marido Carlão compramos um Stock Car e participamos de algumas provas, em 1984 e 1985. Nada sensacional, mas chegamos ao final.
MB – E como foi a parada definitiva?
GF - Paramos em definitivo porque este é um esporte caro, principalmente para quem não tem patrocínio. E quem os tem costuma ser muito cobrado e isso também não queríamos. Foram experiências muito boas, mas diante do quadro, achamos ser esta a melhor alternativa.
MB – E a Mil Milhas de 1970?
GF - Os irmãos Abílio e Alcides Diniz venceram com uma Alfa GTAM da Jolly. Uma das concorrentes era a belíssima Ferrari 512 do italiano Giampiero Moretti. Os irmãos, deslumbrados com a novidade, tentaram comprá-la, mas apesar da anuência do italiano o negócio só não foi fechado porque Alcides, do alto de seus quase dois metros, não conseguiu alojar-se de forma alguma no cockpit. Como eles já haviam adquirido a GTAM, o carro deles tradicional, a GTA, acabou sobrando para mim e para o Carlos Alberto Sgarbi. Fizemos uma prova sensacional, brigamos por posições e acabamos em 7º na geral e 1º na categoria. O patrocínio era da Valvoline e, mais tarde, quando acabaram os importados, esta empresa me convidou para correr de Opala. Mas sair de uma Alfa para correr de Opala na Divisão 3 é uma grande diferença...
MB – Como foi aquela história de você quase correr no exterior?
GF – Como você sabe, o marketing era limitado naquela época, mas realmente pensei em correr no exterior, no rastro de minha condição de mulher piloto e profissional. Ainda na fase dos protótipos, a Lola veio ao Brasil com uma mulher também pilotando. Aí me viram andar e convidaram para que eu seguisse com eles. Mas eu havia conhecido o Carlos Alberto, decidimos casar e eu troquei uma chance na Europa por uma aliança. Acho que foi bom negócio porque estamos juntos há 34 anos.
MB – Mas, pelo que sei, mesmo fora das pistas não parou com a velocidade.
GF – Verdade. Parei com as competições, mas nunca com a velocidade. Minha Kawazaki Ninja pode chegar a 300 km/h e já fui muito próxima disso. Tenho brevê também (NR: Graziela tem o brevê mais graduado que pode ser concedido na aviação, o PLA, para piloto de linha aérea).
MB – Fale-nos, por favor, dos pilotos da época. Quem mais lhe impressionou?
GF - Bird, Luizinho Pereira Bueno, Wilsinho Fittipaldi, todos têm grandes histórias, sempre os idolatrei, mas quando você disputa uma posição, não interessa quem é, tem de ser dura e não olhar nem para o capacete do carro que te ameaça.
MB – Tem gente que se diz cansada da Fórmula 1. Você é uma delas?
GF - Claro que como brasileira estou sempre grudada na tevê quando tem Fórmula 1. É o máximo, o topo do esporte que amo, mas anda muito, digamos, pasteurizada. Muito regulamento mudando, muita discussão e isto acaba comprometendo o espetáculo. Mas continuo apaixonada. Em 2008, quem sabe a gente ganha outro mundial?
Foto Vinícius Nunes
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