Recebi algumas manifestações bastante carinhosas a respeito do editorial da MOTORSPORT BRSIL nº 28, no qual procurei discorrer sobre o falecimento do piloto Rafael Sperafico e as relações do jornalismo com o episódio. Preservarei a identidade dos signatários dessas mensagens, pois foram enviadas de forma privada, mas fiquei contente porque confirmaram a correção da tese. Então, para quem não teve a oportunidade de ler, reproduzo aqui a íntegra:
Rafael Sperafico e o jornalismo
Eu lembro que uma vez eu fiquei bravo com o Sergio Quintanilha, então publisher da Motorpress Brasil, empresa que edita a revista Racing e da qual fui editor. A discussão foi a respeito do acidente sofrido por Alessandro Zanardi, na Alemanha, quando ele perdeu as duas pernas. Tínhamos uma foto, buscada não me lembro onde pelo então editor-assistente Venício Zambeli, que mostrava sangue. Permitia que fossem vistos, no asfalto, pedaços dos membros estraçalhados. Houve uma conversa tensa na redação, algo incomum naqueles fechamentos dominicais da revista. Apesar da loucura que eram aquelas edições quinzenais, o entrosamento entre a equipe era tanto que tudo corria em harmonia, com os momentos de estresse sendo destruídos ao redor dos bolos que a repórter Thalita Nadry trazia. A sensação do Sergio era a de que a imagem chocaria os leitores e exporia o drama de uma forma muito cruel. Não concordei. Queria a foto na plenitude da notícia. Não me lembro se perdi no voto eu se prevaleceu a palavra final do dono da revista. Só sei que a foto saiu com uma tarja preta.
Tudo isso para contar que, passados tantos anos, vi-me numa situação muito mais dramática, mas semelhante na essência. O acidente que tirou a vida de Rafael Sperafico e levou ao hospital Renato Russo por vários dias não geraram apenas dor, comoção, desespero e luto. Mas também imagens dramáticas e chocantes, daquelas que dão um nó na garganta e produzem um arrepio angustiado pelo corpo inteiro. Colaborador constante da MOTORSPORT BRASIL, o fotógrafo André Santos registrou o acidente. É claro que naquele momento seu pensamento não se fixou na possibilidade de algo mais grave, como seria confirmado mais tarde. Sua mente estava no registro da notícia.
Não se deve pronunciar uma única palavra de crítica ao fotógrafo pelo registro feito. Quem imaginaria que o desfecho seria aquele? Além disso, pode-se fazer um paralelo com o acidente de Gualter Salles, na Argentina. As imagens de seu resgate rodaram o mundo porque se tratou de um drama superado. O rosto com expressão de dor só potencializaram a sua capacidade de superação. Infelizmente, esse não foi o caso de Rafael. Qualquer imagem entra para a posteridade se alguém a publica e é aí que entra a figura do editor na história. Coube a mim decidir diante de duas questões:
1 - Que direito tenho de ocultar dos leitores da MOTORSPORT BRASIL imagens realistas, sem retoques, que mostram a crua realidade do trágico momento?
2 – Que direito tenho de expor uma tragédia com cores e dramaticidade tão intensas, proporcionando sofrimento e chocando de modo geral e, em particular, a família Sperafico?
Diante dessas questões, falou mais alto o lado humano e, diferentemente do que advoguei na redação da Racing tempos atrás, sequer me preocupei em procurar uma imagem menos chocante. Simplesmente guardei o DVD sem aproveitar uma única imagem do acidente. É a minha homenagem a Rafael e sua família.
Américo Teixeira Jr.
ateixeira@cba.org.br
Rafael Sperafico e o jornalismo
Eu lembro que uma vez eu fiquei bravo com o Sergio Quintanilha, então publisher da Motorpress Brasil, empresa que edita a revista Racing e da qual fui editor. A discussão foi a respeito do acidente sofrido por Alessandro Zanardi, na Alemanha, quando ele perdeu as duas pernas. Tínhamos uma foto, buscada não me lembro onde pelo então editor-assistente Venício Zambeli, que mostrava sangue. Permitia que fossem vistos, no asfalto, pedaços dos membros estraçalhados. Houve uma conversa tensa na redação, algo incomum naqueles fechamentos dominicais da revista. Apesar da loucura que eram aquelas edições quinzenais, o entrosamento entre a equipe era tanto que tudo corria em harmonia, com os momentos de estresse sendo destruídos ao redor dos bolos que a repórter Thalita Nadry trazia. A sensação do Sergio era a de que a imagem chocaria os leitores e exporia o drama de uma forma muito cruel. Não concordei. Queria a foto na plenitude da notícia. Não me lembro se perdi no voto eu se prevaleceu a palavra final do dono da revista. Só sei que a foto saiu com uma tarja preta.
Tudo isso para contar que, passados tantos anos, vi-me numa situação muito mais dramática, mas semelhante na essência. O acidente que tirou a vida de Rafael Sperafico e levou ao hospital Renato Russo por vários dias não geraram apenas dor, comoção, desespero e luto. Mas também imagens dramáticas e chocantes, daquelas que dão um nó na garganta e produzem um arrepio angustiado pelo corpo inteiro. Colaborador constante da MOTORSPORT BRASIL, o fotógrafo André Santos registrou o acidente. É claro que naquele momento seu pensamento não se fixou na possibilidade de algo mais grave, como seria confirmado mais tarde. Sua mente estava no registro da notícia.
Não se deve pronunciar uma única palavra de crítica ao fotógrafo pelo registro feito. Quem imaginaria que o desfecho seria aquele? Além disso, pode-se fazer um paralelo com o acidente de Gualter Salles, na Argentina. As imagens de seu resgate rodaram o mundo porque se tratou de um drama superado. O rosto com expressão de dor só potencializaram a sua capacidade de superação. Infelizmente, esse não foi o caso de Rafael. Qualquer imagem entra para a posteridade se alguém a publica e é aí que entra a figura do editor na história. Coube a mim decidir diante de duas questões:
1 - Que direito tenho de ocultar dos leitores da MOTORSPORT BRASIL imagens realistas, sem retoques, que mostram a crua realidade do trágico momento?
2 – Que direito tenho de expor uma tragédia com cores e dramaticidade tão intensas, proporcionando sofrimento e chocando de modo geral e, em particular, a família Sperafico?
Diante dessas questões, falou mais alto o lado humano e, diferentemente do que advoguei na redação da Racing tempos atrás, sequer me preocupei em procurar uma imagem menos chocante. Simplesmente guardei o DVD sem aproveitar uma única imagem do acidente. É a minha homenagem a Rafael e sua família.
Américo Teixeira Jr.
ateixeira@cba.org.br
A foto é do mestre Miguel Costa Jr.
Um comentário:
Excelente atitude essa.
É assim que vemos e podemos acreditar na existência da ética profissional dentro do jornalismo. É certeza que uma foto "chocante" faria com que alavancassem as vendas pela simples curiosidade mórbida do povo, como foi com Ayrton Senna, Kurt Cobain, e outros famosos que tiveram uma morte violenta. Quem publica as fotos assim, esquece de certo modo dos parentes que são obrigados a ver por dias e dias a fio tal imagem e se lembrar do ente querido com dor.
Essa é o tipo de ação que deve ser parabenizada.
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